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Uso de algemas: questão de bom senso

Fonte: Google Images

Li agora pouco uma matéria do jornal "Folha de SP", publicada hoje (18.01.2010), que me chamou a atenção acerca da Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal.

Esta súmula, editada pela nossa corte máxima da justiça brasileira, fala sobre quando se deve utilizar as algemas. Confira o que ela diz:

"Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".
(Súmula Vinculante 11 do STF)

Em outras palavras, o STF disse que o uso de algema agora é "exceção"e só deve ser utilizada em caso excepcionais e justificados. Concordam?

Para quem não frequenta fórum criminal, posso lhe dizer que a coisa mais normal é você ver presos (acusados) chegarem algemados para participarem de seus interrogatórios e audiências.

Lembro-me que quando ainda era estagiário em SP, estava indo ao Fórum Mário Guimarães (localizado ainda no Centro de SP), onde havia um elevador "exclusivo" utilizados pelos presos que chegavam ao Fórum para seus interrogatórios. Neste dia, este elevador estava quebrado e os policiais estavam utilizando um dos elevadores de acesso ao público em geral.

É lógico que ninguém estava se sentindo tranquilo, mesmo o preso estando algemado, de subir neste mesmo elevador com os policiais. Mas, eu estava com tanta pressa, que não liguei e acabei subindo junto com 2 policias e 1 preso algemado. A sensação não foi boa por mais que soubesse que o preso não teria condições alguma de reagir.

O fato é que para um estudante, no início de faculdade, ainda não acostumado com ambiente de delegacias e fóruns criminais (longe de penitenciárias), fiquei bem encostado no canto do elevador olhando, discretamente, para o preso e imaginando o que aquele cara havia feito.

Os policiais desceram antes de mim no elevador. Eu marquei o andar que eles desceram e aí resolvi o que tinha que fazer voando e voltei para aquele andar com uma curiosidade enorme para saber do que aquele preso estava sendo acusado (é lógico que não quis perguntar isto no elevador). Foi quando achei um dos policiais parado na porta do gabinete do juiz.

A resposta foi de que ele estava sendo acusado de roubo e tentativa de homicídio.

Bom, foi muito engraçado à época porque eu fiquei pensando nisto o dia inteiro. E também na feição do acusado (que não era das mais simpáticas) e disse para mim "que bom que ele estava algemado".

Lembrei desta estória porque na reportagem da Folha diz que a Súmula é ignorada no Fórum Criminal de SP (só que agora ele se localiza no bairro da Barra Funda) e não se vê preso sem algema por lá.

Esta súmula surgiu por conta da Operação Satiagraha (da Polícia Federal) e amplamente divulgada na mídia, a qual prendeu e "algemou" pessoas importantes, como o banqueiro Daniel Dantas, Celso Pitta (falecido), etc.

Em razão deste fato, o STF decidiu dar uma nova interpretação ao uso de algemas.

Há argumentos dos dois lados para o uso ou não das algemas, tais como: a utilização das algemas atenta à dignidade humana (protegida pela Constituição Federal), induz a um pré-julgamento do acusado, etc. Por outro lado, há o direito à segurança no trabalho e a vida das pessoas que trabalham e frequentam os fóruns.

Opinião:
A utilização das algemas deve ser uma questão de bom senso, no qual a autoridade deve saber o momento de usá-la ou não, sob pena de vir a ser responsabilizada por eventual abuso.

Não há como discordar que quando há uma forte possibilidade do preso fugir ou querer escapar deve-se utilizar a algema, mas em uma pessoa idosa que tem dificuldades enormes em andar rápido? Como, por exemplo, com um problema sério de locomoção na perna? Diferente de prender um lutador de artes marciais, cujas próprias mãos servem de arma?

Acredito que esta súmula irá gerar ainda muita discussão, pois já há presos que estão requerendo anulamento de seus julgamentos porque participaram da audiência algemado. Para este caso agora o juiz terá que justificar a utilização de algemas durante à sessão (art. 474, § 3o do Código de Processo Penal).


Fontes:
- FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Uso de algemas: a Súmula Vinculante nº 11, do STF . Jus Navigandi (Acesso em 18.01.2010)
- GOMES, Luiz Flávio. O uso de algemas no nosso país está devidamente disciplinado?. Jus Navigandi (acesso em 18.01.2010)
- Jornal: Folha de SP de 18.01.2010





Comentários

  1. Prezado colega Rodrigo. Muito bom blog. Fui colega da sua irmã no ISJ e advoguei por 7 anos em SJC. Com relação ao assunto, aqui nos EUA onde moro, todo mundo é algemado e ninguém morreu por isso ainda. Gostaria que os tribunais brasileiros se preocupassem com assuntos de maior importância, como permitir indulto de natal à presos de alta periculosidade. Lembro-me no ano passado que um desses beneficiários cometeu homicídio contra uma médica em pleno feriado de dias dos pais. Infelizmente o Brasil continua beneficiando mais os criminosos do que as vítimas. Ainda tenho esperança de que um dia isso irá mudar.

    Sucesso na carreira.
    APSL

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  2. Oi Ana, que legal seu comentário.
    Concordo com você em todos os aspectos e temos muito que aprender com a justiça de outros países. Uma delas que eu admiro é a americana. Qualquer pessoa (rico, pobre, branco ou negro) vai preso mesmo e sem qualquer regalia.
    No Brasil, as pessoas só respeitam a lei quando a punição for certa mesma. Foi o que aconteceu com a "lei seca", onde houve uma grande diminuição de acidentes de carros e mortes por conta da proibição de dirigir sobre efeitos do álcool, mas isto só ocorreu porque as pessoas indo estão, de fato, presas. Aí o brasileiro respeita.
    Quanto ao indulto natalino eu considero um absurdo e extremamente arcaico. E todo ano algum preso de "bom comportamento" é solto nesta época do ano e comete algum crime ou não volta para a penitenciária ou delegacia.
    Temos muito que aprender ainda.
    abraço,
    Rodrigo

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  3. Rodrigo,
    Vou continuar seguindo seu blog. Mudei totalmente de carreira e começo medicina em maio. Mas não quero "enferrujar legalmente", seu blog é muito interessante mesmo!
    Ana.

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